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 UM CASAMENTO MODERNO
(O AMOR DA NOVA PELO NOVO)


Depois que a modernidade chegou à Morretes, nunca mais a tradicional cidade conseguiu manter o elo relacional da solidariedade. Vieram os antropólogos, os sociólogos e o social de Morretes transformou-se em sociológico. Um novo objeto de estudo nasceu para o saber, quando a modernidade fez nascer a Nova Morretes. Batizada pela lama asfáltica e pelas placas de sinalização, a velocidade daqui para a frente, vai acelerar as prosas, e os encontros do homo-morretensis.
A história não será mais a mesma. Junto com a velocidade, virá o Novo. O Novo é a novidade moderna e fará a Nova Morretes acelerar a sua tradição.
O novo é a morte do passado e a crença do futuro. Mais do que isto é a representação mental da esperança para o civilizado.
A cidade foi cortada pela demarcação de dois mundos:
O mundo dos velhos (a idade da pedra) e o mundo dos jovens, (a idade do plástico). Plásticos e asfalto ultrapassaram o ferro e a madeira. O progresso finalmente chegou em Morretes e desatou as mãos artesanais do passado.
O novo não faz relações, faz rupturas. O asfalto são essas rupturas. É a separação entre o homo-morretensis e as novas gerações, que agora se despedem da inconsolável história, debruçada, sobre as pedras a lastimar suas lascas.
Diz a modernidade que a história tem seus dias contados perante a velocidade.
A morte da história é o triunfo da velocidade, é a vitória do efeito sobre a causa. Tudo é tão rápido, rápido demais para ser lembrado.
Os carros passam por cima do Ethos morretense. Esse artefato predileto das sociedades industriais é também o representante mítico da modernidade: a máquina.
Se os mitos das sociedades tradicionais desapareceram, é porque foram substituídos pela tecnologia, a nova crença do progresso, o novo Ethos.
A nova Morretes aponta para o progresso tentando encontrar as vantagens que justifiquem o asfaltamento dos paralelepípedos da sua cidade. Comenta-se que é bom para andar de "roller", de "skate", mas não mais de bicicleta. Comenta-se que isto é bom para Morretes, mas para quem é o asfalto?
Ela, que já se apresenta como sendo a Nova Morretes, mal pôde velar o luto da Velha Morretes. Pelo corpo quente do asfalto, passa uma procissão de carros sobre a História que fica enterrada sob a lama de plástico.

As faixas amarelas e brancas do asfalto cortam o espaço relacional para introduzir nele, o modelo individualizante das sociedades modernas. Por elas passam as máquinas, em busca do novo.
O novo é a reafirmação deste modelo onde cada tipo, cada indivíduo tem a pretensão de ser único. No máximo conseguem ser uma única marca de produto.
Velocidade e plasticidade. A evaporação volátil do novo fecundou com espermas da droga e da Aids o velho. Daí nasceu o novo: a morte da natureza, da cultura e da história. O asfalto tem quinze minutos para encurtar a distância entre o Planalto e Morretes antes que as casas velhas desapareçam sob o eco do turismo. "Quem gosta de casa velha é turista", dizia um morretense.
As casas morreram também. Afinal a modernidade é destruidora. Matar é triunfar sobre a vida. É vencer a vida. Mas com que a modernidade e o novo vencerão a morte?
Eis a nova Morretes, meio morte, meio vida. Meio Nhundiá, meio gente, balbuciando como uma criança recém-nascida e batizada pelo impotável Nhundiaquara.
Ousa ela, dizer-se amante do novo. A Nova Morretes que mal divorciou-se do seu velho, reinventa-se agora com palavras tão efêmeras, em amores com o novo.
Um encontro perfeito. Um casamento moderno, o amor da Nova pelo Novo.