Ser melhor que, e ser melhor para.

Roberto da Rocha e Silva.

Conflitos e desafios fazem parte da vida cotidiana, estando os dois intimamente ligados. O conflito pode gerar um desafio para enfrentá-lo, contorná-lo, desistir. Sempre uma decisão terá que ser tomada, assumida ou não. O conflito poderá ficar onde está, poderá ser resolvido ou passar para dentro de nós, expandindo-se e ocupando novos nichos. Precisamos ser melhores no mundo atual. Melhores para compreender o nosso entorno, melhores para nos compreendermos. Somente um equilíbrio entre compreender o fora e o dentro poderá nos auxiliar a ser melhores. No entanto, cabem algumas perguntas: como temos encarado o ser melhor? Em que direção nós orientamos este processo? Com que finalidade? Para quem, exatamente? Será este ser melhor, duradouro? O quanto podemos nos apropriar de tal poder especial?

O mundo contemporânea, competitivo, comparativo, progressivo, cheio de "pês", nos parece educar para ser melhor que. Esse fato nos exige uma atenção redobrada para controlar o que está acontecendo em minha volta e saber o que o outro está fazendo. Exige mais ainda: saber o que o outro está pensando ou planejando. Como será que ele vai sair dessa? Como será que ele vai reagir agora? O que será que ele vai dizer amanhã?

A tensão formada pela expectativa torna os indivíduos mais vulneráveis, cansados, exigindo que o organismo reaja com intensidade hormonal. O desgaste físico-emocional é alimento com fartas doses de substâncias, conhecidas e desconhecidas, elaboradas por nossas glândulas. O chamado vício em adrenalina é uma dessas ocorrências fisiológicas. Será somente adrenalina? Que outros fatores podem também estar envolvidos? O processo de retroalimentação dá e pede, incessantemente. Uma vez detonado, ele parece não querer parar, até que nossas forças comecem a ceder e nossos limites comecem a vagar em campos perigosos.

Será esse um salutar exercício? Será uma doença? Um hábito? Um vício real, mas calculado? Onde queremos chegar nessa prática?

Por outro lado, precisamos pensar que existem outras opções de ser melhor. A discussão não está em querer provar o ser melhor, se ele é bom ou não; o que queremos levantar é a questão dos objetivos do ser melhor. Na primeira situação conjeturamos em ser melhor que, mas existe também o ser melhor para, motivo de nossa principal atenção.

O ser melhor para, elimina de imediato a preocupação com as expectativas do próximo. Senão há competição, não há maior necessidade de gastarmos tempo em procurar saber o que o outro está pensando para nos atingir ou modificar. Os fenômenos de transformação e influências deverão ocorrer no campo da naturalidade participativa, mas não no da competitividade. Assisti um documentário sobre chimpanzés onde a organização e hierarquia estavam presentes todo o tempo. Ficou clara, por exemplo, a atuação de um grupo de patrulha para vigiar o território utilizado pelos símios. Na oportunidade, os patrulheiros perseguiram e mataram uma fêmea com cria, de outra família, que havia acidentalmente (?) invadido seus domínios. Ela não teve maiores chances. O filhote também foi morto. As regras naturais são muito rígidas e não aceitam sentimentalismo. A sobrevivência é o objetivo. Mas, pensem: sobrevivência de quem? Por quê? A mãe e a cria não deveriam então ter sido mortas? No entanto, o que estava em jogo era a sobrevivência do grupo, cujo território havia sido invadido. Os territórios normalmente são delimitados e sinalizados através de mensagens (odores, fezes, urina, marcas), alertando que aquela é uma zona proibida ou sujeita a conflitos. As vezes elas são definidas ferozmente, com possibilidade de sérios danos para o invasor. Cruel? Criminoso? Essas palavras não existem na realidade da sobrevivência biológica.

Esse exemplo me fez lembrar da colocação "fazer o serviço sujo". Os animais também fazem serviços sujos, eventualmente, ao que parece. A diferença é que esses sacrifícios e "barbaridades" são cometidos em para resguardar a sua "família", sem quaisquer dúvidas, Jamais o serão para benefícios de subgrupos, particulares. Essa é a principal diferença. A guerra entre sociedades humanas, talvez, possa ser um exemplo paralelo. As guerras e matanças entre tribos de territórios diferentes, também podem ser citadas. Não é a guerra em sí, mas sim o impulso natural de se impor, defendendo e prevenindo ameaças comunitárias externas.

Se pensarmos no controle de disputas intra-comunitárias, elas só ocorrerão se o chamado "chefe de grupo" permitir, ou não conseguir controlar o processo. Esses controles são regidos por demonstrações e exibições de força e poder, exatamente como fazem as grandes potências e nós mesmos. Carro do ano, celular, mulher bonita, roupa da moda e outras exibições próprias dos primatas humanos. Nas relações daqueles que chefiam grupos, ocorre que, quando existe qualquer demonstração de exibicionismo, ela precisa, imediatamente, ser controlada e reprimida, para que não se torne uma ameaça futura à liderança. Esse processo é na verdade, uma modalidade de avaliação sistemática para saber se o líder está realmente atento às suas obrigações. Se ele se mostrar fraco, a tendência será substituí-lo, devido à sua incompetência.

O propósito de todas essas colocações é mostrar que não poderemos jamais deixar de ser primatas. Foi dessa ordem zoológica que evoluímos e continuaremos atrelados a ela, até que a engenharia genética nos modifique substancialmente ou nós nos modifiquemos, espiritualmente. Talvez nossa principal e fundamental diferença seja que nós, humanos, podemos conceber a nossa existência e ter consciência dela. Talvez também por admitir a existência de uma força controladora ou inteligência maior, coisa que, suponho, os macacos não sejam capazes. Isso então oferece uma grande chance de, apesar de sermos primatas, podermos ter um futuro como humanos, apesar dos conflitos, problemas e desafios. A solução poderá estar em dividirmos mais os nossos territórios, conquistas e poderes. Talvez se passarmos a olhar mais para dentro de nós mesmos, poderemos vislumbrar uma grande beleza interior aguardando, pacientemente, que possamos algum dia contemplá-la. Ela está lá. Não será uma aprendizagem facial e rápida. Exigirá muito de nossa capacidade de abrir mãos de nossas convicções e distorcidos conceitos de valores. Exigirá sacrifícios, mas não precisaremos matar mais ninguém. Teremos que ser menos exibicionistas que os macacos, menos assassinos que seus patrulheiros de territórios e menos controladores de nossos vizinhos ou rivais. Teremos que ser melhores para do que melhores que.

A educação ambiental é algo assim: um longo caminho e muitos sacrifícios. Ninguém deve se enganar. Começa com um desafio para se entrar e se continua com muitos outros para permanecer.

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