Poesias

  O calado do navio

Antonina
quando era menina andava descalça
e vestida de mar.

Antonina
era toda faceira,
caminhava ligeira
quebrando os joelhos a se rebolar.

Era cheia de graça e de rima
querida Antonina, no teu preamar,
era assim que era "çá menina"
que até o Bagrinho te vinha espi(nh)ar.

Antonina hoje é velha menina
que não perde a rima
porque põe-se a lembrar.
Antonina! que dor tão salgada,
que mágoa pesada,
levou o teu sonho pro fundo do mar?

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Os tempos viraram, teus marinheiros calaram
e muitos se foram na viração
Alguns outros, não menos homens, ficaram
mas só choram nos bares tua recordação.


Às tuas amarguras, chamaste de aventura
que bebeste toda água do mar.
Teus homens sedentos
choram nos mares,
marinheiros violentos que
bebem nos bares,
canções da tua história,
virações em tua memória
e chamam teu nome no silêncio do copo virado:
Calado de um navio afundado!

Levanta do teu passado!
Acorda! não existe um tesouro enterrado.
Não existe capitão e nem sonho dourado.
Acorda da agonia em que tu dormes!
Desleixada no estaleiro te consome.
Tu não tens remédio, por isso te embriagas
tanto ...
que é porque sabes
que teu sonho é um Banzo.

Um canto desses metais
que o tinir do ferro de um estaleiro condenado
grita teu nome em berros,
na cadência de teus carnavais.
Mas precisou chamar de aventura
às tuas amarguras
e enfeitar com alegorias
a tua nostalgia.

Acorda! acorda de um sonho salgado.
A corda que prende o pesadelo
da âncora que te apoitou...
Teus homens que te queriam de zelo,
partiram seus lábios azedos
depois que tudo afundou.

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O que te resta cemitério salgado?
se doces eram tuas serestas,
tua casa e teu corpo perfumado;
mas partiram também tuas festas.

O que te resta "Cemitério de Navios"?
Pendurada no estaleiro,
Antonina sonha distante.
Te recordas de teus mastros? de teus lastros?
Só um poetastro te fará viver por um instante.

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Ouviu-se um apito de navio
e toda a terra, todo o mar,
coloca-se no cio.
Antonina abre sua Baía,
oferecendo seus seios ao prático que guia.

Não mais que um sonho,
um sonho de navio.
Nua e cansada de esperar
por esse gozo profundo,
por que não te jogas então
teu corpo nos braços do mar?
Só assim deixarás esse afago.
Vagabundo que nunca te fez gozar.

Um sonho com um homem tatuado,
marinheiro queimado
da viração.

Romântica! É o que te resta.
Romântica! Em tua festa,
a esperar o desejo de uma embarcação.

Nem porto nem navio,
nem águas de teus rios
consolam tua sede faminta.
Mesmo que finja,
que minta
ter o maior acalanto,
a dor de teus marinheiros no bar,
bêbados em cada canto.
Inebriados em canções de banzo.
Romântica! é só o que te resta, lembrar?
inventando amores e encantos,
se ainda tens o mar
e a esperança de um porto ...
Romântica menina
só te resta poemar,
Inventando poemas para um morto?

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Dorme Antonina
como uma criança esquecida que a noite fechou teus olhos
longamente
porque tomaste pelas águas à deriva,
goles de amargura e aguardente.

O Bugio (1992)

 
 
 

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